segunda-feira, 26 de julho de 2010

O remorso de Siegel e Shuster

Ainda pensando em Jerry Siegel, que junto com Joe Shuster deu vida ao Super-Homem, resolvi pinçar essa pequena biografia retirada d'O livro das Vidas - Obituários do New York Times, da Companhia das Letras. O livro faz parte da coleção Jornalismo Literário e reúne obituários do jornalão americano. Segue o texto:



Jerry Siegel, cuja atração adolescente por garotas deu ao mundo o Super-Homem, morreu em 1996, em Los Angeles, aos 81 anos. Era lembrado não tanto como o artista visionário de Cleveland que concebeu o maior super-herói de todos os tempos, mas sim como o rapaz ingênuo que vendeu os direitos de uma potência cultural e comercial bilionário por 130 dólares.

Joe Shuster, parceiro e amigo de infância de Siegel, acabou por criar a malha justa e a capa do herói, mas foi Siegel quem imaginou o Super-Homem como um todo, desde o nascimento no condenado planeta Krypton e a chegada à Terra num foguete, até os poderes sobre-humanos e o alter ego de trato manso, Clark Kent. Como ele disse mais tarde, a idéia lhe veio de uma vez só, numa noite de insônia durante o verão de 1934 em Cleveland, depois de se formar no Colégio de Glenville, onde ele e Shuster já haviam criado juntos uma infinidade de personagens de quadrinhos, inclusive um primeiro Super-Homem que Siegel imaginara como um cientista louco careca.

Mas apesar de todos esses detalhes que surgiram naquela noite sobre as origens extraterrestres do Super-Homem, sobre os pais adotivos tão amorosos e a decisão dele de usar os poderes incríveis “para ajudar a humanidade”, Siegel não escondia que o foco de sua visão criativa, o verdadeiro objeto de seus sonhos, era Lois Lane, a repórter colega de Kent no Planeta Diário. Ela era a mulher que suspirava pelo super-herói ao mesmo tempo que evitava Kent e seus óculos, sem saber que, sob aquela superfície afável, estava o próprio homem de aço, para não dizer o coração ardente de Jerry Siegel.



Mesmo quando discutia as origens do Super-Homem quarenta anos depois, Siegel, que disse ter pensado em se tornar repórter, ainda parecia sentir os golpes que sofrera quando era um colegial esquelético e de óculos: “Eu me apaixonei por várias meninas lindas que nem sabiam que eu existia , ou, se sabiam, não se importavam”, disse ele. “Então me ocorreu: e se eu pudesse fazer alguma coisa legal, como pular por cima dos prédios ou atirar carros ou algo assim?”

Depois que Shuster pôs s fantasia de Siegel no papel, a dupla ainda levou anos até encontrar um editor disposto a aceitar a criação. E quando conseguiram foi em Nova York, onde haviam sido contratados para criar outros personagens, mas o sonho de ganhar dinheiro logo se espatifou. Em março de 1938, por 130 dólares em espécie, eles assinaram a cessão de todos os direitos do Super-Homem à DC Comics, a empresa que deu vida comercial ao herói em junho do mesmo ano – no primeiro número da Action Comics. “Éramos só meninos”, disse Siegel. “Como podíamos saber?”



Quando o personagem se tornou uma sensação instantânea e a dupla tentou obter uma fatia dos lucros, ambos foram despedidos e passaram o resto da vida quase na pobreza. Siegel e Shuster tentaram inventar novos super-heróis, porém Slam Bradley e Funnyman (que combatia o mal com armas presas a sua roupa de palhaço) e mais meia dúzia de projetos terminaram em fracasso. Siegel acabou tendo de vender seus preciosos exemplares da Action Comics número 1, que hoje valem milhares de dólares , para comprar comida e pagar o aluguel.

Depois de “24 anos de frustração e inferno”, como disse Siegel, eles perderam uma série de processos na justiça para recuperar os direitos sobre o personagem. Shuster acabou reduzido a contínuo em Manhattan e Siegel trabalhou como datilógrafo em Los Angeles por 7 mil dólares ao ano.



Em 1978, porém, depois que o primeiro filme do Super-Homem rendeu mais de 80 milhões, a DC, que no decorrer dos anos ganhou cerca de 250 milhões do bolo de 1 bilhão de dólares faturado em filmes, televisão e uma quantidade incrível de produtos com o Super-Homem, se curvou a colocar o nome de ambos com autores e deu a cada um deles uma pensão anual de 20 mil dólares, mais tarde aumentada para 30 mil.

Nos últimos anos de vida, os dois moraram em Los Angeles, a poucas quadras um do outro, onde Shuster, cego no final da vida, morreu em 1992.

Siegel pode ter sido o criador do Super-Homem, mas, devido ao fracasso em salvaguardar seus direitos, ele se tornou amargo com o homem de outro planeta. “Não consigo olhar uma revista do Super-Homem”, disse em 1975. “Isso me deixa fisicamente doente. Adoro o Super-Homem, e no entanto para mim ele se tornou um elemento hostil”.


Joe Shuster e Jerry Siegel: mágoas com a perda dos direitos sobre o Homem de Aço duraram a vida toda

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